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o mais «suave e terno romancista português, cronista de afectos puros, paixões simples, prosa limpa»
Júlio Dinis, pseudónimo de Joaquim Coelho, morreu com apenas 31 anos. Apesar disso, este médico do Porto deixou considerável obra, que é considerada na transição entre o romantismo e o realismo literários.
Uma família inglesa está cheia de bondade e personagens tão boas e puras que chegam a ser algo estéreis. Ainda assim, seguimos embalados em toda a bonomia e esperamos que todas as personagens encontrem a felicidade que "merecem". E encontram, e merecem.
Uma Família Inglesa é o primeiro romance de Júlio Dinis, então publicado como folhetim num jornal, o que era comum à época.
A história centra-se no romance entre Carlos Whitestone, um rapaz inteligente mas estouvado, que é mandrião mas "bom rapaz" e Cecília.
Em pleno Carnaval que se celebrava nos teatros portuenses, Carlos fica fascinado com uma jovem mascarada, que mais tarde descobre ser Cecília, uma jovem de 18 anos, melhor amiga da irmã dele - Jenny e filha do guarda-livros do pai - o Sr. Quintino.
Diga-se de passagem que a minha personagem preferida foi mesmo este Manuel Quintino, homem trabalhador, rigoroso e conservador e muito protector da sua muito amada filha.
Põe as mãos à cabeça quando o estouvado filho do patrão aparece no escritório para "fazer que faz", desorganizando o serviço. Ainda assim, é generoso para encobrir as faltas deste, em relação ao patrão.
O que mais apreciei neste livro foi a forma como Júlio Dinis "conversa" com o leitor (a.k.a. leitora) e nos coloca no ambiente social do Porto, em pleno séc. XIX.
Não posso dizer que foi um livro que adorei, ainda assim foi uma obra que me fez querer continuar a ler Júlio Dinis.
O que me sugerem como continuação?
Estou como a Maria. Não tinha qualquer plano de entrar em desafios literários em 2020, mas leitores/as que amam livros, tendem a amar partilhá-los e esta é uma forma de o fazer, quando as pessoas que nos rodeiam, não lêem.
E eu adoro clássicos e a Bárbara fez-nos isto: ler os clássicos 2020. Como resistir?
Para o desafio de Fevereiro, optei pela A morte de Ivan Ilitch de Lev Tolstoi que comprei em 2008, o primeiro da biblioteca de clássicos escolhidos por António Lobo Antunes que o descreve como uma das maiores obras-primas do espírito humano:
Tudo o que somos se acha em poucas páginas, escrito de uma forma magistral. Li-as, maravilhado, umas vinte ou trinta vezes, continuarei a lê-las, maravilhado até ao fim dos meus dias.
Confesso que li isto e pensei que seria um pouco exagerado, mas a verdade é que esta pequena novela é um assombro.
A escrita é enganadoramente simples e muito melódica, com repetições intencionais que parecem meramente divertidas, mas que acabam por ser o cerne da (moralidade da) história.
O livro começa com o funeral de Ivan Ilitch, um pacato funcionário magistrado que se move na sociedade com o objectivo de ter uma vida decente, agradável e fácil. É honesto, mas a moral é balizada pela conduta de quem lhe é superior: se eles fazem, é porque está bem.
No fundo, é um funcionário que não resiste aos pequenos poderes e vive na redoma da sua posição.
Confrontado com a morte, percebe rapidamente quem é quem. Teve na morte as relações superficiais que alimentou em vida, com excepção de um fiel criado que vê nos cuidados deste moribundo, uma forma de pagamento antecipado de um karma:
Todos havemos de morrer. Porque é que não havia de aceitar este pequeno esforço? - disse ele, exprimindo assim que não lhe pesava o seu trabalho, precisamente porque o fazia por um homem moribundo e esperava que a seu tempo alguém fizesse esse mesmo trabalho também para ele.
Mas o que é verdadeiramente pungente nesta novela é a solidão:
essa solidão no meio de uma cidade populosa e dos seus numerosos conhecidos e da família - uma solidão que não podia haver maior em parte alguma: nem no fundo do mar nem em terra
Moribundo e só, Ivan Ilitch é confrontado com a soma da sua vida e de quanto a sua morte será um alívio para todos. Morre, procurando a dignidade de não fazer sofrer (mais) quem fica.
Uma morte digna para todos. Um excelente tópico de reflexão, agora que se volta a falar num referendo sobre a eutanásia.
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