Este pequeno livro (apenas 174 páginas) é um exemplo do porquê continuar a adorar desafios literários, que me obrigam a partir à descoberta... e que descoberta.
A leitura de SPQR não está a fluir como esperava e precisava de fazer uma pausa com um pequeno livro, antes de voltar à obra.
Decidi vaguear as estantes da biblioteca municipal, à procura de uma autora que tivesse um nome com as mesmas iniciais que eu, para dar cumprimento a um dos desafios do
Book Bingo "Leituras ao Sol" - 2ª Edição.
Encontrei uma Cristina Silva, com um livro sobre Florbela Espanca, com apenas 174 páginas.
P-E-R-F-E-I-T-O! Ou não estivesse eu na Biblioteca Florbela Espanca.
Cristina Silva, que também publica com o nome de Ana Cristina Silva, é uma autora que estreou com um romance intitulado Mariana, Todas as Cartas (2002), que vou ler assim que passar numa outra biblioteca onde já o localizei.
Cristina Silva começa o romance com Bela (Flor Bela Lobo, no cartório) a narrar o seu suicídio. Ela continuara pelo romance como narradora da sua vida, do nascimento ao fatídico dia 8 de Dezembro de 1930 em que se suicida, com apenas 36 anos. Suicida-se no seu dia de aniversário.
Entre as narrativas de Florbela, outras vozes, outras perspetivas, desde a criada que a encontra morta, aos maridos, ao pai, mãe e esposa do pai que a iria criar.
Uma voz notavelmente ausente é a do irmão Apeles, o seu grande amor constante.
Sempre presente, é também o contexto de um país patriarcal em que a mulher tem de sujeitar-se aos moldes dos homens que a rodeiam. Florbela, surge constantemente como uma mulher inconformada, com desejos de emancipação que o seu tempo não permitia ao sexo feminino. E os homens, sempre fracos pela força (real ou figurada) que vão exercendo.
Afinal era apenas a criada e, no caso de ela oferecer resistência, a sua posição de senhor da casa protegia-o com o pleno direito a um serviço.
A biografia de Florbela é verdadeiramente triste. O pai, casado com uma mulher estéril, impõe a esta uma relação extraconjugal que me dê os filhos que depois leva para a casa marital, onde uma esposa fria e ressentida cria a filha da amante.
O pai só a reconheceria legalmente, 18 anos após a morte desta. Essa constante procura amor, esse desamparo transparente em toda a obra de Florbela.
Fiz versos porque tinha a boca cheia com os gritos de uma criança que ninguém ouviu.
A leitura de Bela intercala o lirismo com a mais crua das realidades e isso permite que cada voz tenha o seu tom distinto (não sem alguns momentos de incongruência, confesso).
Comecei a temer o pior, mas no final do primeiro capítulo já estava presa a uma narrativa que me levaria a devorar o livro num dia.