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Foi num artigo do Público, se a memória não me falha, que este Quarto de Despejo se tornou um objecto de desejo. Saiu da impressora em Abril de 2021 e está lido. É extraordinário que este livro, amplamente traduzido, só agora tenha chegado a Portugal, depois de uma tentativa frustrada em 1960, quando foi proibido por Salazar.
Quarto de Despejo é o diário de Carolina Maria de Jesus, que vive numa favela (Canindé) com os seus três filhos pequenos e abrange os anos de 1955-59.
O seu dia-a-dia era uma luta pela sobrevivência, passando os dias a recolher papel e ferro velho pelas ruas, o que mal dava para comer.
Aliás, a fome é o motor e a sensação dominante do seu diário. Este é, também um diário da fome.
E a fome domina também o seu papel de mãe: a luta diária é ter o que dar de comer aos seus filhos:
Como é horrível ver um filho comer e perguntar: "Tem mais? Esta palava "tem mais" fica oscilando dentro do cerebro de uma mãe que olha as panelas e não tem mais.
A sua filha (professora), haveria dizer que nunca conseguiu ler o livro da sua mãe de forma completa, tal é a emoção.
E com a fome, a revolta por um país desperdiçado por quem deveria governar as suas riquezas.
... Eu estou começando a perder o interesse pela existência. Começo a revoltar. E a minha revolta é justa.
(...) A democracia está perdendo os seus adeptos. No nosso paiz tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos fraquissimos. E tudo que está fraco, morre um dia.
... Os políticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido.
Carolina são todas as mulheres que se indignam pelos ataques à sua condição de mulher, são todas as mulheres negras que vivem diariamente o racismo, todas as mães que lutam por dar uma vida digna aos seus filhos, todas as cidadãs que se revoltam contra a corrupção e a iniquidade dos governantes.
É uma incrível e maravilhosa coincidência que tenha lido este Quarto de Despejo, no mesmo ano em que finalmente li A Room of One's Own de Virginia Wolf, o retrato de duas escritoras tão distinto quando distintas.
Mas como dizia Carolina Maria de Jesus:
na minha opinião escreve quem quer
E na minha opinião, todas/os a devem ler.
O livro perfeito para o #blackathon e para o #lerosclássicos2021 de Junho (clássico lusófono: publicado em 1960).
[Para aSusanita: É um livro único.]
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