Florbela Espanca: poetisa e criadora de galinhas
Eu sou hipocritamente ambivalente no que respeita à publicação de diários e cartas, por terceiros, após a morte de quem os escreveu e sem a sua autorização. Gosto de ler, mas há um sentimento de culpa que nunca consigo abandonar.
As cartas incluídas neste livro são cartas privadas de Florbela para o seu segundo marido - António Guimarães - e oferecem um extraordinário vislumbre sobre a vida pessoal de Florbela Espanca.
Auto-descrita como sensitiva e mulher-criança, é também alguém desesperadamente à procura do sentimento de pertença a um lar, a uma família, sistematicamente angustiada com a sua dependência económica dos homens da sua vida: pai, maridos.
Nestas cartas vislumbra-se uma Florbela constantemente preocupada com a sua casinha, em tê-la, em mantê-la cuidada, em sustentá-la. Sabiam que Florbela Espanca criava galinhas, que as vendia, assim como ovos?
Igualmente interessante é comparar as cartas de Florbela para o marido (militar da GNR) e para o irmão. O discurso é completamente diferente, ficando claro que os interlocutores são pessoas intelectualmente diferentes.
Mas não é puro voyerismo. Esta compilação, com os seus comentários que contextualizam a obra de Florbela Espanca no período, evidenciaram o quanto da obra é biográfico e a importância de conhecer a vida para interpretar a obra.
Li Florbela Espanca deste a adolescência, mas de forma cortada, sonetos compilados em "top +". Agora, sinto-me verdadeiramente entusiasmada com a perspectiva de ler Florbela Espanca de forma intencional e por ordem cronológica da sua obra.
Pelo meio, quero ver a mini série Perdidamente Florbela com a Dalila Carmo e ler a biografia da autora, por Agustina Bessa-Luís.