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My Books News

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A de Açor - Helen Macdonald

24.11.16

 


 


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Se me tivessem dito que um dia iria ficar fascinada com um livro de não ficção sobre o treinamento de um falcão, eu iria dizer-vos que me colocaria a milhas de um livro assim. Hoje, coloco-o como um dos melhores livros de memórias que li, na verdade, é bem possível que seja o melhor. 


 


Este é um livro de não ficção, que é uma combinação de livro de memórias da autora, biografia de um escritor (T. H. White), narrativa sobre aves de rapina (história, enciclopédia, descrições diversas, passo-a-passo do seu treino), mas também uma reflexão sobre o mundo em que vivemos (do aquecimento global à tortura em Abu Ghraib). 


 


É um livro sobre o luto. Helen perdeu o pai e decidiu "fugir" para o campo com o propósito de treinar Mabel, um açor, que é uma ave de rapina parecida com o falcão. Esta é a Mabel: 
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Durante o luto, numa espiral de depressão, Mabel é o fio que agarra Helen a uma vida regularizada pelas rotinas do treino. 


 



Porque dorme tanto? As aves de presa dormem quando estão doentes. Esta deve estar doente. Porque estou eu a dormir? Estarei também doente? Que se passa com ela? Que se passa comigo?


 



Segui Helen pelos campos ingleses, cada descrição a colocar-me lá, fosse no deslumbramento da paisagem ou na tensão dos momentos de caça. Mas Helen Macdonald não é uma deslumbrada. Ela sabe o mundo em que vive, ela não se deixa levar pelo enamoramento do mítico passado (nomeadamente os das lendas arturianas, que seriam as obras mais conhecidas de T. H. White).


 



Essas colinas de greda branca tinham a sua história nacional, tal como possuíam a sua história natural. E foi também muito mais tarde que compreendi que estes mitos magoam. Que funcionam para varrer outras culturas, outras histórias, outros modos de amar, trabalhar e estar numa paisagem.


 



Leio este parágrafo, e é-me impossível não associar o trecho aos Descobrimentos, tantas vezes idolatrados e raramente lembrados como o período mais vergonhoso da nossa história, enquanto assassinos e escravizadores de outros seres humanos.


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E na verdade, apesar de termos açores a ocupar quase todas as páginas, este livro é sobre humanos...


 



E também me apercebo de que, todos os dias que passei com a Mabel, só nos abordaram pessoas à margem: crianças, adolescentes góticos, sem-abrigo, estudantes de outros países, viajantes, bêbados, gente de férias. "Agora somos marginais, Mabel", digo-lhe, e a ideia não me parece desagradável. Mas sinto-me envergonhada da reserva dos meus compatriotas. Do seu desejo de continuar a andar, de seguir caminho, de não comentarem, não interrogarem, não se interessarem por qualquer coisa peculiar, invulgar, por nada que não seja completamente normal.


 



Poderia dizer-vos como me senti permanentemente tocada pela experiência de Helen Macdonald, na verdade, tão em sintonia com os seus sentimentos que é um pouco assustador - afinal de contas é também um livro sobre o luto e a depressão. Mas porque isso me parece demasiado desagradável, termino com palavras de esperança na humanidade:


 



As mãos são para serem seguradas por outras mãos humanas.