Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Eça de Queiróz é muito provavelmente o meu escritor preferido. O mais brilhante representante do realismo, possui a capacidade de nos fazer transcender o tempo, com as suas descrições pormenorizadas.
Em Tormes, descobri alguns truques desse realismo, os cartões em que tomava notas sobre pequenas imagens da vida, que viriam (ou não) a transparecer nas suas obras. Continuam em Tormes, podem encontrá-los num armário longo de gavetas verde que se encontra na sala museu da Fundação Eça de Queiróz.
A Cidade e as Serras é, sem dúvida, um dos meus livros preferidos do autor, destronando o seu opus magnum: Os Maias.
Conhecemos Jacinto, um jovem de ascendência nobre que vive uma vida de ócio em Paris. O narrador é o seu amigo, José Fernandes que embora privilegiado, tem os pés mais assentes na terra que deixou.
Jacinto é um enamorado de tudo que é civilização e modernidades, cercando-se de tudo que era gadget do séc. XIX. Porém não consegue ter mais que um prazer momentâneo com as novidades. Tudo lhe parece uma maçada.
"Ora nesse tempo Jacinto concebera uma Ideia... Este Principe concebera a Ideia de que «o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilisado». E por homem civilisado o meu camarada entendia aquele que, robustecendo a sua força pensante com todas as noções adquiridas desde Aristoteles, e multiplicando a potencia corporal dos seus orgãos com todos os mechanismos inventados desde Theramenes, criador da roda, se torna um magnifico Adão, quase omnipotente, quase omnisciente, e apto portanto a recolher dentro de uma sociedade e nos limites do Progresso (tal como elle se comportava em 1875) todos os gozos e todos os proveitos que resultam de Saber e de Poder... Pelo menos assim Jacinto formulava copiosamente a sua Ideia, quando conversavamos de fins e destinos humanos, sorvendo bocks poeirentos, sob o toldo das cervejarias filosóficas, no Boulevard Saint-Michel."
Quando decide partir para a terra dos seus antepassados (Tormes) com o seu amigo, munido de centenas de baús recheados com a modernidade de Paris, as peripécias começam.
O cuidado que Eça de Queiróz deu à construção de cada personagem, frequentemente enquanto representação de um grupo social, tornou-as inconfundíveis e intemporais. Jacinto é, para mim, uma das mais magníficas personagens da literatura.
Mais, é impossível não fazer o paralelo entre a vida de Jacinto e as vidas modernas, tão cheias de coisas, tão cheias de decisões e por isso tantas vezes paralisantes.
- (...) Agora, Zé Fernandes, estou saboreando esta delícia de me erguer pela manhã, e de ter só uma escova para alisar o cabelo.
Considerei, cheio de recordações, o meu amigo:
- Tinhas uma nove.
- Nove? Tinha vinte! Talvez trinta! E era uma atrapalhação, não me bastavam!... Nunca em Paris andei bem penteado. Assim como os meus setenta mil volumes: eram tantos que nunca li nenhum. Assim como as minhas ocupações: tanto me sobrecarregavam , que nunca fui útil.
Mas não quero deixar de dizer que Eça de Queiróz é hilariante:
- Com efeito, há aqui falta de mulher, com M grande. Mas essas senhoras aí das casas dos arredores... Não sei, mas estou pensando que se devem parecer com legumes. Sãs, nutritivas, excelentes para a panela - mas, enfim, legumes.
Para mim, reler A Cidade e as Serras é um momento de puro divertimento. E embora os livros tão tenham de o ser, é sempre agradável quando são.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.