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Se tivesse de escolher uma frase para descrever este livro, diria que foi aquele que me ensinou, o que não sabia que desconhecia.
Ana Sofia Fonseca concentra-se nas horas que antecederam a revolta dos militares, pelos olhos das mulheres que os acompanharam, desde as namoradas, às esposas, até àquela que daria no nome à revolução.
Na descrição dessas horas, vai contextualizado como os casais se conheceram e de como chegaram ali. Acima de tudo, sobre como era ser mulher no Antigo Regime.
Nas férias, nas idas à Beira Alta semeavam-lhe perguntas no pensamento. Porque é que as pessoas andavam descalças? Porque é que, com este frio, os meninos não usam sapatos? Por que é que não posso ser amiga daquelas meninas? Interrogações que a mãe cala de uma assentada:
- A menina não está boa da cabeça.
(...)
- A menina não está boa da cabeça - dizia a mãe, sempre que Isabel ousava algum comentário.
A fim de não arranjar discórdias, a miúda acostumava-se a observar calada. Não sabe o quê, mas algo no mundo anda desconcertado. Com Pedro aprenderá os nomes das coisas.
Pelo meio, a história da vida privada dos portuguesas da época, com destaque para a vida dos militares na guerra colonial.
Fiquei com imensa vontade de ler África no feminino, as mulheres portuguesas e a guerra colonial de Margarida Calafate Ribeiro.
Cada vez mais, a consciência do que me falta saber: o PREC e a guerra colonial pelos olhos dos povos indígenas.
Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os sociais, os corporativos e o estado a que chegámos! De maneira que quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto.
Salgueiro Maia, 24 de Abril de 1974
Que fantástico, este pequeno livro.
- Então, e precisam de alguma coisa? Como é que posso ajudar?
- Se tiver um cigarrinho... Um cigarrinho calhava bem.
A mulher deita males à vida, tantos anos a vender tabaco e agora nem um maço. Se fumasse, ao menos teria um cigarro no bolso, assim nem réstia de nicotina e as lojas estão todas encerradas.
- Bem gostaria de lhe dar um, mas nunca fumei... Olhe, tome lá um cravo que tanto se oferece a uma senhora como a um senhor.
O soldado agradece num sorriso, estende a mão para apanhar o cravo e arruma-o no cano da G3. Dia de alegria, a arma como jarra. Celeste gosta da idea, antes flores que balas. Num ápice, distribui o molho inteiro pelos militares com quem se cruza, os cravos do "Franjinhas" nas armas do Exército.
A família não tinha pé-de-meia, mas teve engenho para sentar os quatros filhos nos bancos da escola. Todas as manhãs, horas a pé até à ardósia mais próxima, ao sol e à chuva, pés descalços e lobos no recreio. O pai vai mudando de colocação e a família acaba por ir parar à Marinha Grande. Mas nada livra o rapaz do pesadelo da infância - numa das primárias, à conta de não ter sapatos, a professora condenou-o à rua. A dor desse dia fundeou no mais profundo da alma, décadas a fio, volta e meia havia de acordar a sonhar-se de farda número 1 e pés descalços.
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