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Ler e Partilhar Livros
As minhas razões para doar o meu cérebro não são de facto as melhores. Resumem-se à posse de um cartão de doador do Banco de Cérebros de Harvard que me dá a possibilidade de afirmar "Vou para Harvard" sem estar a mentir.
Mary Roach
Antes de mais, tenho lido mais do que tenho escrito no blog. Por isso, ando desactualizada, no que refere a impressões de leitura.
Diverti-me tanto a ler este livro, que nem imaginam. Ri à gargalhada, chorei e pensei muito no real alcance da minha decisão (embora não tenha mudado de opinião).
O livro abarca diversos temas, desde a história da anatomia (com roubos de cadáveres à mistura) até ao moderníssimo movimento da compostagem humana, passando pelas doações, a importância que têm para a medicina e ciência forense (por exemplo para testes de impacto em carros ou para contar a história de acidentes de aviação).
Mas também, existem temas inusitados como os transplantes de cabeças, canibalismo (inclusivé as novas formas de canibalismo (procurem "placenta recipes" no Google, mas por vossa conta e risco.); ou ainda temas tão sérios como a definição de morte.
E que dizer as fascinantes experiências para conseguir pesar a alma? Já chegaram a calcular como sendo 21 gramas.
Alguns dos capítulos sobre o altruísmo das doações de cadáveres, em vida ou por familiares, partiram-me o coração:
segundo um estudo efectuado a esse respeito pelo New England Journal of Medicine (Jornal de Medicina da Nova Inglaterra), 73% dos pais de crianças acabadas de morrer consentiram, quando inquiridos, que os corpos dos filhos fossem usados para a prática de técnicas de entubamento.
Mas nestes, impressionou-me igualmente, o papel que os futuros médicos atribuem (ou não) aos cadáveres em que praticam. É fascinante a forma como são instrumentalizados, não só para a prática de técnicas, mas também para a dessensibilização.
Já o respeito exigido aos cadáveres é um tópico que perpassa por vários capítulos, com bons e maus exemplos. Com efeito, percebi que desconhecia o quão ampla poderia ser a definição de "doação para fins científicos".
Um excelente exemplo disso, é a utilização do cadáver num local como o Body Farm de Knoxville, que já conhecia de documentários, e que consiste numa área em que os corpos são enterrados ou deixados a decompor ao ar livre, para experiências relacionadas com a ciência forense.
Será que as pessoas que fazem uma doação imaginam este tipo de utilizações? Confesso que o pior que me tinha ocorrido era a indignidade de um cadáver nu - mas como não cá estarei para me envergonhar...
E se o cadáver não for necessário numa instituição, poderá ser cedido a outra? E se a "outra" for uma instituição privada? E se, o "fim científico" for algo como a utilização do vosso cadáver para fazer experiências de crucificação, relacionadas com o Sudário de Turim? Acho que isso me faria levantar da mesa de autópsias, para dar uma coça a alguém.
O livro é tão interessante como irreverente.
A linguagem muito acessível e o tom humoroso (e irónico) não prejudica a validade da informação. Aliás, no final do livro a autora deixa-nos 7 páginas com referências bibliográficas, se quiserem prosseguir com a leitura.
A única parte que me "enojou" foi mesmo a utilização de cadáveres (ou partes mortas) como medicamento. E sabem o pior? Foi tomar conhecimento de práticas actuais (pizza de placenta?!).
Haverá passagens que poderão ferir algumas sensibilidades, é natural. A morte é dolorosa para quem fica, mas tem de deixar de ser um tabu, porque acredito sinceramente que a forma como tratamos os mortos, diz mais sobre a nossa vida, que seria desejável.
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