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Não está tudo perdido. Não quando milhares de pessoas que juntam para comprar um livro.
O mês de Julho dos Clube dos Clássicos Vivos foi dedicado à leitura de The heart is a lonely hunter, de Carson McCullers.
Como já havia referido, esta obra, que consta de qualquer lista de livros "obrigatórios" da literatura universal, e foi o primeiro romance de uma jovem de 23 anos, de quem Tennesse Williams disse:
"owned the heart and deep understanding of it, but in addition she had that "tongue of angels" that give her the power to sing of it, to make of it an anthem".
Quando comecei a ler, senti que estava novamente no universo de Harper Lee e de To Kill a Mockingbird, mas sem a inocência. Na verdade, não há nada de inocente ou romântico em Carson McCullers.
Confesso que muito me surpreendeu ver numa obra dos anos 40, temas como a automutilação e a pedofilia (esta última, admito que possa ser contestada).
Em The heart is a lonely hunter temos múltiplas narrações, que vão acompanhando as relações de um grupo de pessoas que tem como centro um surdo-mudo que se chama Singer (cantor). É em torno dele que as diferentes vozes vão gravitando:
Micky
A jovem adolescente com um amor incomum pela música e com uma memória musical genial. Na verdade, os capítulos em que Micky fala da música fizeram-me lembrar Bel Canto de Ann Patchett, que aproveito para recomendar.
Mas é também uma jovem que experimenta as dores do crescimento e a necessidade de aceitação pelos pares. É o mais banal possível, mas descrito de forma extraordinária - todos queremos ser aclamados e geniais naquilo que fazemos (fama, fortuna e tudo mais), mas incluídas como uma do grupo.
No boy wanted to prom with a girl so much taller than him. But maybe cigarettes would help stunt the rest of her growth.
Jake Blount
Alcoólico, violento e inconstante, passa uma boa parte do seu tempo num café a falar sozinho sobre o socialismo. Depois de conhecer Singer, sente com ele uma estranha afinidade que o faz permanecer na cidade. É dele, um dos meus parágrafos preferidos da obra.
Biff Brannon
É o proprietário do New York Café, por onde vão passando diversas personagens. Extremamente sensível a tudo que o rodeia, é generoso para com os rejeitados da sociedade, nomeadamente Jake Blount. Tem uma pouco saudável (a meu ver) atracção em relação à jovem Mick.
Dr. Copeland
O médico negro que trabalha incessantemente para ajudar as famílias negras, que vivem de forma miserável e são alvo de um racismo esmagador.
Acredita que é através da educação que a raça negra se elevará.
Porque se dedica exclusivamente ao seu trabalho e causa, alienou toda a família, vivendo sozinho.
Portia
A filha de Dr. Copeland aceitou a sua inferior condição social e é empregada doméstica na casa da família de Mick. Acima de tudo, privilegia a família e por isso visita regularmente o pai e tenta incluí-lo nas relações familiares.
Ao ler Portia e o seu discurso, sei que a minha leitura foi fortemente influenciada pelo vídeo que já referi aqui.
E de Singer não falo, mas é intencional.
Confesso que houve trechos da obra que me deixaram perplexa pela actualidade e capacidade de ler o mundo. A perplexidade tinha a ver com a idade de quem os escreveu. Eu não sabia nada do mundo, aos 23 anos.
The people dreamed and fought and slept as much as ever. And by habit they shortened their thoughts so that they would not wander out in the darkness beyond tomorrow.
[As pessoas sonhavam, lutavam e dormiam como sempre. E por hábito, diminuiam os seus pensamentos para que não pudessem perder-se na escuridão para além do amanhã.]
Acho que é de pessoas como Carson McCullers que se diz que têm uma alma antiga.
O livro é magnífico e ficará comigo para sempre.
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