Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Ler e Partilhar Livros
Têm-se multiplicado as histórias de autores a confrontarem autores de avaliações negativas no GoodReads, mas encetar diligências para descobrir as/os críticas/os e ir bater-lhe à porta de casa, é coisa de doidos.
Ontem terminei o Go Set a Watchman, de Harper Lee. Ouvi-o em audiolivro, aproveitando o mês gratuito do Audible.
Antes de começar a ler, assumi alguns pressupostos:
- o livro não é uma sequela, mas um rascunho que precedeu Por favor não matem a cotovia
- as personagens de ambos os livros não serão, necessariamente, as mesmas ou ter as mesmas características (já tinha ouvido que Scout e Atticus eram _____ (spoiler), o que chocou muito boa gente)
- o livro poderá ter sido editado, não sabemos em que extensão e não sabemos por quem; por isso, o que é ou não Harper Lee?
Foi com estes pressupostos que iniciei a leitura/audição, embalada pelo sotaque sulista de Reese Witherspoon. Não fui embalada pelo sonho de uma "sequela" de Por favor não matem a cotovia. Quanto muito, é um vislumbre de como poderá surgir e evoluir um livro, num processo de escrita de uma autora tão amada. Não mais que isso.
Talvez por isso não me tenha sentido defraudada nas expectativas e não tenha sentido a necessidade de pedir a devolução do meu dinheiro, como está a acontecer nos EUA.
É uma idiotice, mas também o justo castigo a uma editora que falhou com os leitores, vendendo este livro como algo que não é: um rascunho.
A primeira parte do livro é deliciosa, pois temos a Scout, 20 anos depois, mas com a inconfundível voz, que nos foi dada por Por favor não matem a cotovia. Voltei a rir-me com as desventuras da pequena Scout - não me admira que o editor de Harper Lee, ao receber esta versão, lhe tenha pedido que a reescrevesse para focar a história no período da infância.
A Scout adulta é uma _____ não assumida, incoerente, mal resolvida e incapaz de viver de acordo com o que defende. É uma Scout adulta, sem o extraordinário que prometia enquanto criança.
Uma leitora (não me recordo qual) disse que Por favor não matem a cotovia é o racismo visto pelos olhos de uma criança e Go Set a Watchman é o racismo para adultos e eu acrescento: com que vivemos hoje. É um racismo velado, que não é assumido, que se vai destilando de bocas bem formadas, bem paridas e com pseudo-argumentos armados de retórica erudita.
Por isso, Go Set a Watchman não deixa de ser um amargo de boca. Gostamos de poder voltar a ler Harper Lee, mas desejavamos que não fosse assim. No fundo, queremos continuar a ser crianças.
A nossa memória é uma coisa surpreendente. Eu recordo-me perfeitamente deste livro. Ou melhor, recordo-me dele numa caixa de livros numa Feira do Livro do Porto, no tempo em que esta se realizava na rotunda da Boavista. Foi a minha mãe que mo ofereceu. Deve ter sido uma pechincha porque a minha mãe é muito poupada.
E pronto.
É esta a extensão da minha memória sobre o livro. Um calhamaço que li na adolescência e sobre o qual não me recordo mais que o facto de ter sido um momento de encorajamento à leitura pela minha mãe, que raramente vi a ler algo que não fosse uma revista cor-de-rosa.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.